sábado, 29 de dezembro de 2012

De conto em conto - A última estação

Olá leitores, hoje trago para vocês mais um conto de minha autoria.

Leiam com carinho e reflexão.

Espero que gostem...

A última estação 
    
Os anos correm pelos trilhos da vida...”

São as palavras que estavam escritas em uma folha que Heitor encontrou enquanto esperava o trem, trem que trazia sua liberdade, ele iria para a faculdade começar uma nova vida, independente, longe daquela pequena cidade interiorana.

Já passava das 23:00 horas e nada de trem, a lua se escondeu atrás de uma nuvem e envolto em um mar de escuridão Heitor ficou, silêncio, silêncio e nada mais, uma forte brisa soprou, fazendo o velho carvalho balançar suas folhas secas.

Secas, igual à vida de muitas pessoas daquela cidade, pobres almas vazias de conhecimento, não sentiria falta delas, sentiria falta apenas de Sofia, linda garota, que fazia jus ao nome, diferente dos outros era culta, mas seu pai muito conservador pensava diferente, tentou forçá-la a casar-se com apenas 16 anos, ela negou, então ele a prendeu em casa, mas sua alma escapou, uma pena seu corpo ter ficado, pendurado, no teto do quarto.

Grande perda na vida de Heitor, que sempre ia ao cemitério visitá-la,  agora não mais, entretanto Sofia sempre iria continuar viva, em seu coração.

Então a brisa para, e uma solidão toma conta de Heitor, uma luz corta o céu e cai distante, em alguns instantes o trovão, chuva era só o que faltava para completar aquela série de desgraças.

Não tardou e o céu entrou em prantos, e a escuridão da noite era constantemente cortada com raios, o silêncio fora interrompido por fortes trovões.

Heitor impaciente olhou o relógio, meia-noite, um remorso começou a tomar conta de seus pensamentos, ele se sentia culpado por estar deixando Sofia, sem ao menos dizer um último adeus.

-Que chuva, não?

Heitor olha para trás e vê uma estranha figura, um  senhor, muito idoso, completamente molhado, vestindo um terno preto, e um chapéu que cobria parcialmente seu rosto. - Realmente uma grande tormenta, parece que o céu vai desabar. O velho então se aproxima e senta no banco ao lado de Heitor.

- O que você está esperando, jovem?

Heitor refletiu por alguns segundos.

– Estou esperando um trem, ele ira me levar para faculdade, mas está atrasado.

- Muitas coisas se atrasam na vida, creio eu que um trem não é a mais importante delas.

- E o senhor, para onde o senhor vai?

Nesse momento um enorme trovão interrompe a conversa e um raio ilumina a face do velho senhor, revelando olhos verdes escuros, tão profundos, que parecem guardar segredos que apenas a idade e as experiências de vida podem gerar.

- Eu vou para a última estação, pois meu tempo está no fim, mas para onde eu vou não importa, jovem, um dia você irá para lá também, igual a todas as pessoas, todos temos que enfrentar a morte em algum momento, e isso é o que menos importa, devemos aproveitar o nosso tempo de vida, cada segundo, seja ele ruim ou bom, porque não existiriam bons momentos se não houvesse os maus. A vida é um drama, repleto de tragédias, humor, romance, dor, nós somos os criadores da nossa própria história, se ela vai acabar com um final feliz ou não, depende apenas de nós.

Ouvindo isso Heitor congelou, abaixou a cabeça e refletiu aquelas sabias palavras, lembrou de seus sonhos de criança, lembrou de seus problemas familiares e de seu amor por Sofia.

- Jovem, percebo que você tem assuntos inacabados aqui, você não deve partir até que os resolva, porque se fizer isso, ira se arrepender e o remorso é uma das piores dores que alguém pode sentir, eu tenho muitos problemas inacabados que perseguem minha alma até hoje, mas meu tempo é curto e não tenho mais como resolvê-los. Mas você, você ainda é novo e tem tempo, não deixe que os problemas te persigam, os enfrente agora.

Heitor então se levantou do banco e começou a correr em meio à chuva, a água fria parecia limpar suas culpas, os raios ao fundo iluminavam seu caminho e os trovões pareciam seu coração batendo, cada vez mais alto e forte.

O senhor gritava para Heitor

- Vá jovem, enfrente seus medos! Reescreva a sua história!

Heitor chegou ao cemitério e procurou o túmulo de Sofia, o encontrou e caiu de joelhos em sua frente.

Pediu desculpas por não tê-la ajudado na briga com o pai, e falou que tudo poderia ter sido diferente, mas infelizmente não foi, aquele era um dos momentos de tragédia de sua vida, e ele conseguiu superar porque sabia, que por consequência, dias melhores iriam vir, e dias tristes também, tudo faz parte dessa história complexa que é a vida, cheia de metáforas que viram realidade, misturas de gêneros literários e sonhos inacabados.

A chuva parou e Heitor voltou para a estação, lá chegando não encontrou o velho, mas no banco onde o senhor estava sentado havia uma folha, semelhante àquela que ele havia encontrado muitas horas antes.

Nela estava escrito:

“Os anos correm pelos trilhos da vida, paramos em diversas estações, conhecemos muitas pessoas, algumas entram para nossa vida, para a nossa história, se tornando personagens muito importantes, algumas como amigos, amores, inspirações, outras como antagonistas, por fim somos todos escritores e protagonistas de nosso próprio destino, somos metáforas vivas de nossas ações, e somos os únicos capazes de colocar um ponto final na nossa história.”

Lendo aquilo, Heitor se sentiu completo, ele conseguiu reescrever sua história e transformou aquele capítulo que parecia uma tragédia em um romance.

Se sentindo cansado, Heitor caiu no sono, acordou algumas horas depois, olhou para o relógio uma última vez, 6:00 da manhã, ele olhou para a linha do trem e viu o sol nascer no horizonte, um novo dia surgia, uma nova página começava a ser escrita, um novo capítulo para seu livro inacabado.

O trem que ele esperava chegou, Heitor subiu entusiasmado nele, e partiu para sua liberdade.

Quando a poeira provocada pelo trem se dissipou, em meio aos trilhos, encontrava-se um papel sujo e molhado, aonde estava escrito:

“Nos encontramos na última estação”


Matheus Natal

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